Pelo menos desde 2017, as mulheres representam 50,5% de produções no setor cultural no país. Ao passo que, entre 2014 e 2018, o número de trabalhadores pretos e pardos no setor cultural cresceu em 8%, segundo dados do Sistema de Informações e Indicadores Culturais de 2019.
Embora dados recentes como estes acimas mostrem um aumento no envolvimento feminino e uma presença crescente de trabalhadores pretos e pardos na indústria cultural, há ainda lacunas significativas quando se trata da representação e oportunidades para as mulheres negras, especialmente em papéis de destaque como direção e roteiro cinematográfico.
Tais disparidades apontam para a necessidade urgente de criar espaços inclusivos e acessíveis para a expressão criativa das mulheres negras. Ao considerar a riqueza e diversidade da produção cultural brasileira contemporânea, é fundamental visualizar um futuro onde as vozes e visões das mulheres negras sejam amplamente reconhecidas e celebradas. Isso implica não apenas em reconhecer sua existência, mas também em proporcionar plataformas que permitam que suas narrativas e perspectivas sejam compartilhadas e apreciadas.
É importante destacar que as mulheres negras não são apenas destinatárias passivas da cultura, mas sim agentes ativos na criação e disseminação de conteúdo cultural. Ao celebrar suas contribuições, estamos reconhecendo não apenas seu talento individual, mas também o potencial transformador que suas obras têm para desafiar estereótipos, promover a inclusão e enriquecer o panorama cultural como um todo.
Nesse contexto, é inspirador destacar o trabalho de cinco mulheres negras que se destacam como verdadeiras potências criativas na produção e disseminação cultural, abrindo caminho para uma nova geração de artistas e criadores negros.
A primeira Comic Con do Brasil, com foco em favelas, surgiu em 2019 quando Andreza Delgado e mais seis amigos, todos jovens negros das periferias de São Paulo, tiveram a ideia de democratizar o acesso à cultura nerd e geek com a realização de um evento totalmente gratuito. Realizado na Fábrica de Cultura do Capão Redondo, periferia da Zona Sul de São Paulo, o evento reuniu mais de 4 mil pessoas, e ainda no mesmo ano a iniciativa foi transformada em uma produtora cultural.
“A produtora tem um trabalho importante de empregar e democratizar o acesso à cultura. Buscamos colocar em
evidência nossa produção utilizando os equipamentos culturais da nossa região.”
Produtora, diretora, roteirista, Juliana Vicente é a fundadora da Preta Portê Filmes, produtora de cinema e conteúdo
audiovisual para TV e outras mídias. É também idealizadora da Escola da Preta, espaço de intercâmbio, apoio e
desenvolvimento para negros e indígenas no mercado audiovisual, e da TV Preta, plataforma de divulgação de conteúdos doBrasil e da Diáspora Africana.
“A Preta Portê Filmes é uma produtora preta, indígena e LGBTQI+. Produzimos, há 11 anos, filmes e séries
de relevância social […]. Disputamos a narrativa dentro do mercado audiovisual mesmo que, para isso,
tenhamos que desenvolver outras maneiras de produzir”.
Jaqueline Fernandes, produtora e gestora cultural, é também idealizadora do Festival Latinidades, considerado hoje o maior festival de mulheres negras da América Latina, com uma intensa programação de shows, talks, literatura, gastronomia e atrações de diferentes países e regiões do Brasil.
A 14ª edição do festival, que aconteceu este ano entre os dias 22 e 25 de julho, de forma 100% online no canal do Afrolatinas no YouTube, teve como grande novidade a inauguração da Casa Afrolatinas – central criativa para intercâmbio culturais e experimentações tecnológicas como laboratório de inovação e impacto social através das artes, cultura e educação.
Para ter uma maior representatividade nas produções artísticas protagonizadas por mulheres pretas em São Paulo, disputando espaços e combatendo o racismo, surgiu a Tsika Cultural, comandada pelo trio Nina Vieira, Lúcia Udemezue e Jully Gabriel.
Formada exclusivamente por mulheres negras, a produtora apoia e fortalece artistas independentes, populares e periféricos, que pensam e utilizam a arte como ferramenta de transformação sociocultural pautadas na Cultura Preta Diaspórica.
“[…] A cidade costuma receber grandes eventos e a maioria é promovida por produtoras culturais que colocam poucas profissionais negras nos projetos, essa invisibilização restringe a atuação de muitas colegas de trabalho e essas, acabam por atuar muito mais nos ambientes periféricos e de pequeno porte”.
Bárbara Cerqueira Cazé é curadora de festivais de cinema no Brasil, fundadora da produtora Ofá e do Cineclube Afoxé. Para Bárbara, o cinema hegemônico é branco, masculino e heterossexual.
Bárbara Cazé (Foto/Reprodução)
Apesar disto, existem diversas produções de um “cinema racialmente engajado”, pensado e realizado a partir do ponto de vista de pessoas negras. Uma importante janela dentro do audiovisual para que filme e público possam se encontrar, já que muitas dessas produções não entram no circuito comercial e não chegam até as pessoas que não têm acesso aos festivais.
“O cineclube foi pensado como espaço para diálogo entre mulheres negras. […] Usamos o cinema para isso. Exibimos filmes de diretoras negras, preferencialmente, e exibimos também filmes cujas protagonistas são mulheres negras”.
Reconhecer a visibilidade dos trabalhos concebidos e realizados por mulheres negras é mais do que uma celebração do presente, é uma projeção de um futuro mais inclusivo e reparador. Isso promove não apenas o acesso e o consumo dessas produções por audiências diversas, indo além da comunidade negra, mas também desafia os estereótipos e preconceitos arraigados, destacando a importância e o impacto das contribuições da comunidade negra para a sociedade como um todo.
Desde 2016, a Numen Produtora atua na produção de projetos culturais criados para demandas sociais próprias à realidade brasileira, como o “Mulheres em Foco”, que valoriza o olhar da mulher sobre a condição feminina e criativamente estimula a reflexão sobre as diferentes formas de representação na sociedade por meio de oficinas de fotografia e audiovisual que buscam capacitar tecnicamente as alunas.
A próxima edição contará com o Fundo Agbara, o primeiro fundo para mulheres negras do Brasil.
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