Como outras atividades econômicas, o fomento às atividades culturais no Brasil, e em outras partes do mundo, dependem de esforços públicos e privados de diversos setores para ampliar a capacidade dos países em gerar bens e serviços culturais e torná-los acessíveis à população.
Criada pelo governo federal brasileiro, em 1991, a Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet 8.313/91) trouxe retorno 59% maior que valor financiado em quase três décadas desde a sua implementação, gerando R$ 31,22 bilhões em renúncia fiscal, com impacto de R$ 49,78 bilhões na economia e fatia de 2,64% do PIB brasileiro.
A lei, que é a mais longeva política pública do Ministério da Cultura, nasceu a partir do estudo de leis internacionais de incentivo, como a francesa Aillagon.
Apesar das críticas constantes e limitações ainda não superadas, a Lei Rouanet tornou-se o mais relevante instrumento de financiamento, promoção, proteção e valorização das expressões culturais nacionais. Muito além da finalidade econômica, o apoio a projetos culturais de impacto cumpre, também, importante função social com importantes reflexos na geração de empregos, lazer e educação para os brasileiros.
A DW Deutsche Welledestaca modelos bem sucedidos na Alemanha e França, onde o Estado desempenha um papel fundamental como principal garantidor da oferta cultural, em conformidade com a Constituição. Nestes países, observa-se uma participação discreta do setor privado na cultura.
ALEMANHA
Na Alemanha, a cultura é considerada um dever do Estado, sendo predominantemente financiada com recursos públicos. O governo federal contribui com uma parcela minoritária de incentivos, seguindo o princípio da subsidiariedade. A maior parte do financiamento recai sobre os municípios (45%) e estados (40%) alemães. Aproximadamente 15% do excedente dos incentivos fiscais provém de verba pública da federação.
Com base no Relatório Financeiro Relativo à Cultura de 2018 da Destatis, a agência federal de estatísticas alemã, os fundos públicos na Alemanha destinaram um total de 10,4 bilhões de euros para a cultura. Em contraste, as contribuições privadas, como doações, parcerias e patrocínios, são mais modestas, totalizando 1,2 bilhão de euros em 2015. Ao contrário do Brasil, a Alemanha não possui um mecanismo de renúncia fiscal específica para incentivar essas contribuições privadas. Geralmente, tais recursos atuam como complemento financeiro a projetos cofinanciados pelo setor público.
“No Brasil, grande parte da cultura é financiada exclusivamente com dinheiro de imposto, que na verdade é o dinheiro do contribuinte. Só que quem decide se um projeto acontece ou não é a economia privada.” — Marina Ludemann, diretora do Goethe-Institut
FRANÇA
Na França, onde o tema é tratado como prioridade de Estado, artigo de exportação e motor da economia, o Ministério da Cultura francês é responsável por mais de 50% das verbas públicas concedidas à cultura no país, com Orçamento federal girando em torno de 3 bilhões de euros, enquanto os municípios ficam a cargo de 40% das contribuições, e o restante a cargo dos departamentos e regiões.
Em contrapartida, o mecenato privado só passou a ser incentivado com maior estímulo no país a partir da década de 1960, com a criação de uma série de normas. Entre as mais vantajosas do continente europeu está a Lei Aillagon (2003), que oferece 60% de dedução fiscal às empresas, limitada a 0,5% do faturamento, e 66% às pessoas físicas, com limite anual de 20% dos rendimentos.
“Na França, diferentemente do Brasil, sempre existe a visão a longo prazo. A cultura é tratada como elemento essencial pelo governo e como ferramenta da diplomacia cultural, sendo irradiada para dentro e fora do país. É considerada um motor da economia” — Leonardo Tonus, promotor cultural e professor de literatura e civilização brasileira na Universidade de Sorbonne
Em comparação com o mecanismo brasileiro, o mecenato francês possibilita a redução de uma porcentagem do imposto de renda como forma de doação, sem exigência de contrapartida direta, enquanto o patrocínio é considerado uma estratégia de promoção empresarial, permitindo a dedução fiscal como gasto publicitário. No Brasil, não há uma distinção clara entre essas modalidades, embora tanto o patrocínio quanto a doação possam resultar em abatimento do Imposto de Renda.
Durante a pandemia de Covid-19, diversos países implementaram medidas emergenciais de auxílio para o setor cultural, injetando recursos financeiros significativos. Nos Estados Unidos, por exemplo, que possui a maior indústria cultural do mundo e uma longa tradição de incentivos fiscais, o subsídio durante o governo Trump foi de 15 bilhões de dólares. Outros países que também investiram consideravelmente no setor cultural incluem o Canadá (4,7 bilhões de dólares), Noruega (543,9 milhões de dólares), Coreia do Sul (269,1 milhões de dólares), Cingapura (55,6 milhões de dólares) e África do Sul (6,64 milhões de dólares).
No Brasil, a criação da Lei Aldir Blanc resultou em um investimento aproximado de 530 milhões de dólares pelo governo federal para apoiar a manutenção de espaços culturais, produtores, micro e pequenas empresas, artistas e trabalhadores do setor afetados pela paralisação de suas atividades. O programa mobilizou 401,3 milhões de reais, gerou 5.575 empregos e resultou em 64,1 milhões de reais em tributos.
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Com base na consistência e no expressivo volume de recursos investidos, conforme demonstrado pelos dados anteriores, as empresas e organizações privadas consolidaram-se como protagonistas no fomento à cultura brasileira. Ao longo da última década, os dez maiores grupos econômicos do país contribuíram com aproximadamente 6 bilhões de reais.
O gráfico a seguir ilustra variações significativas nos valores captados por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, aproximando-se do limite da renúncia fiscal. Essa tendência indica, de acordo com o estudo, uma disposição por parte dos investidores e uma sólida capacidade de captação por parte dos proponentes.
fonte: Dez anos de Economia da Cultura no Brasil e os Impactos da Covid-19: um relatório a partir do painel de dados do observatório Itaú Cultural – 2020)
Uma análise comparativa entre os valores do orçamento direto da União e os captados via Lei Federal de Incentivo à Cultura mostra que os investimentos via lei superaram despesas liquidadas da União no período de 2010 a 2020:
O orçamento destinado à Cultura no Brasil sofreu uma significativa redução, caindo pela metade ao longo dos anos. Em 2011, quando a Cultura tinha status de ministério, o valor autorizado foi de R$ 3,34 bilhões. No entanto, em 2021, o orçamento previsto pela Lei Orçamentária Anual diminuiu para R$ 1,77 bilhão, representando o menor montante em uma década. Essa queda reflete uma preocupante diminuição nos recursos disponíveis para apoiar e promover atividades culturais no país.
No que diz respeito aos impactos positivos, a Lei de Incentivo à Cultura no Brasil é comprovadamente um modelo de sucesso entre outros prestigiosos do mundo. Reverberando em 68 atividades econômicas diferentes, e com impacto que supera a casa dos bilhões, o fomento a projetos culturais inscritos na lei brasileira beneficia a toda a sociedade, e se revela um forte estímulo à liberdade e participação da iniciativa privada no aquecimento do mercado cultural e da Economia Criativa, também contribuindo como uma fatia relevante do PIB mundial.
Lei de Incentivo à Cultura; Lei Rouanet; Cultura; fomento; patrocínio cultural; mecenato; investimento social privado.